10 de novembro de 2010

A cegueira como mestra e o ódio como bússola

Uma amiga chama-me agora a atenção para uma infame bojarda escrita há dias por um «blogueiro» que, em matéria de comunismo e de PCP, escreve sempre como se fosse uma avançadíssima cirrose a comandar-lhe a teclagem das palavras no computador.
Na verdade, o sujeito, como é direito que ninguém lhe nega, decidiu foguetear efusivamente o que comummente se chama a «queda do Muro de Berlim»  (até o próprio parece reconhecer que, do ponto de vista físico, foi um responsável da RDA que mandou abrir os portões para as pessoas passarem e não o muro que foi derrubado), despejando no final esta peróla em que, por sinal, se confundem desejos com realidades: « Esse terá sido, de facto, em 9 de Novembro de 1989, “o momento” da morte do comunismo, pela falência desse projecto em todas as partes em que foi ou ainda é seguido e de que hoje, como adeptos na Europa, restam os "souvenirs" do comerciante berlinense na segunda foto, o marxismo-leninismo de sociedade recreativa género saudade leninista patriótico-lusitana do tipo "Jerónimo & Xico Lopes" e pouco mais».
Sobre a questão de fundo, hoje não vou ocupar-me dela, a não ser para lembrar que já vi várias vezes, naqueles canais de cabo de que nunca nos lembramos qual foi, um documentário que mistura imagens e declarações da época com declarações posteriores dos mesmos protagonistas (designadamente opositores internos do regime da RDA) e uma coisa vos posso garantir: naqueles tempos que precederam a «queda do murro» e naquele documentário ninguém falava em "reunificação" (e muito menos na real anexação que veio a acontecer) ou em restauração do capitalismo  e a tónica dominante dos discursos e aspirações era de «democratização» e «renovação do socialismo» naquela República distinta da então  RFA.
Não, o que queria classificar como politicamente abjecto e como tresandando a puro ódio
é aquela referência  ao « marxismo-leninismo de sociedade recreativa género saudade leninista patriótico-lusitana do tipo "Jerónimo & Xico Lopes"».


É claro que nunca saberemos o que o «blogueiro» em questão terá contra as sociedades recreativas embora se saiba que têm a idade suficiente (bastante mais do que eu) para saber como essas sociedades até foram, em muitos casos, núcleos importantes das redes da resistência antifascista.
Mas, tirando isto, não é díficil perceber que este por sinal deslumbrado apoiante de Alegre não conseguiu disfarçar a sua costeleta de classe e que a referência à sociedade recreativa é  filha directa de um mal disfarçado desprezo pelas origens sociais de Jerónimo de Sousa e de Francisco Lopes.
Tivessem os dois andado pelas associações de estudantes do ensino superior e não haveria piadas deste género, ou seja, é  mesmo o espirito de classe (ba burguesia «ilustrada») a falar como um livro aberto.
Mas o que mais impressiona é que gente deste quilate do que mais gosta é de afirmar e sentenciar e não de demonstrar ou justificar.
Porque eu gostava de saber o que é isto do «marxismo-leninismo de sociedade recreativa» aplicado ao PCP, isto é, aplicado a um partido do qual de pode discordar profundamente mas que não se pode negar que tem um incomparável património de acção e de reflexão sobre os problemas nacionais que, aliás, graças à internet, está hoje acessível a todos os que se interessarem e não quiserem ficar pela preguiça dos «clichés» e do cuspo visceralmente anticomunista.
No meio disto tudo, há porém uma coisa que me faz felizé que  tipinhos como este, como querem continuar a parecer de esquerda, volta não volta, lá estão ou a formular observações críticas semelhantes às do PCP ou então a apoiar lutas, formas de luta e causas que não teriam a importância e o impacto que têm se a elas o PCP e os comunistas portugueses, de forma pública ou não-pública, não lhes consagrassem o melhor das suas energias.